sexta-feira, 1 de julho de 2011

Invenção (parte III)

(olhou para o lado)

_ Oi... Bom dia.

_ Bom dia!

_ Acordou cedo hoje?

_ Não, não...

_ Acabou de acordar, então?

_ Na verdade não também.

_ Vai dizer que não dormiu essa noite então.

_ Bom, exatamente.

_ Mas por que não conseguiu dormir? Estava passando mal?

_ Fiquei observando você dormir essa noite. Ouvi sua respiração a noite inteira. Ela ficava intensa algumas vezes, parava por alguns segundos, depois voltava ofegante. Me assustei com alguns tossidos. Você também sussurrou algumas coisas sem sentido. Me chamou muitas vezes, eu respondi que estava ao seu lado. E aí você se calava novamente.

_ Por que você não foi dormir? Passou a noite em claro com essa besteira...

_ Besteira?

_ Sim, claro. Não vejo muita graça em ficar vendo outra pessoa dormir. Pelo menos não eu, que estava dormindo.

_ Mas estávamos numa conexão forte.

_ Que besteira...

_ Não é besteira. É parte da sua essência. Parte de você fora daqui, desse mundo, desse tempo nosso, tempo meu enquanto te observava sem dormir. Eu não cheguei ainda à nenhuma conclusão sobre os sonos, sonhos. O que nos acontece enquanto dormimos e nos desligamos. Mas você parecia tão distante de mim, mas ao mesmo tempo tão perto. E eu conseguia entrar em você por cada inspiração. E quase via o que passava pela sua cabeça. Te intoxicava por dentro e então você tossia. E eu saía pra adentrar-te mais tarde. E ficamos nisso a noite toda. Eu te puxava pro mundo real, e te deixava ir pra sua imaginação, num vai e vem confuso onde nenhum de nós queria alguma explicação. Então você me chamava para que eu te pegasse novamente. Eu te acalmava, afirmando que estaria com você em qualquer circunstância. E você se calava, aceitando minhas palavras sem nem ouví-las, sentindo no peito a vibração das minhas cordas vocais. E repetíamos sem cessar, aquilo nos alimentou a noite inteira. Até que você acordou e me procurou. Lá estava eu, do seu lado. Em qualquer circunstância.

Por Aghata Miranda, em julho de 2011.